Bolsonaro demite Mandetta do cargo de ministro da Saúde
Substituição ocorre em meio à mobilização no combate ao coronavírus no país
Após 34 dias de discórdias públicas e intrigas privadas, o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, foi demitido nesta quinta-feira (16) por Jair Bolsonaro. A exoneração deve sair em edição extra do Diário Oficial, mas foi oficializada pelo presidente em reunião nesta tarde no Palácio do Planalto. Mandetta publicou a informação no Twitter.
Henrique Mandetta
✔@lhmandetta
Acabo de ouvir do presidente Jair Bolsonaro o aviso da minha demissão do Ministério da Saúde. Quero agradecer a oportunidade que me foi dada, de ser gerente do nosso SUS, de pôr de pé o projeto de melhoria da saúde dos brasileiros e
No sábado (11), eles visitaram juntos as obras de um hospital em Goiás, ocasião em que Bolsonaro cumprimentou apoiadores e se uma aglomeração. Irritado e disposto a marcar posição, Mandetta disse ao Fantástico que a população "não sabe se escuta o ministro ou o presidente".
Criticado inclusive por parlamentares e governadores que o apoiavam, Mandetta reconheceu o erro e submergiu. Na terça-feira (14), apareceu com o semblante carregado na coletiva diária de atualização dos números sobre a pandemia. Amuado, pouco falou. Ao retornar ao gabinete, comunicou à equipe que sua demissão era questão de tempo.
Veja a seguir as razões para sua queda:
Alinhamento com adversários políticos
Mandetta começou a cair em desgraça com o presidente em 13 de março. Na véspera, o ministro havia participado da live semanal com Bolsonaro no Palácio da Alvorada. Ambos usavam máscara e pareciam alinhados no discurso de contenção social. Naquela mesma noite, o presidente fez um pronunciamento em cadeia de rádio e TV aconselhando os apoiadores a evitarem aglomerações nos protestos marcados para o domingo seguinte, 15 de março, contra o Congresso e o Supremo Tribunal Federal.
No dia seguinte à live, Mandetta viajou a São Paulo, onde participou de uma entrevista coletiva ao lado do governador João Doria (PSDB), maior desafeto de Bolsonaro. Mandetta anunciou a liberação de quase R$ 100 milhões em recursos federais para o Estado combater a pandemia e insistiu na adoção de medidas de isolamento. A partir dali, o presidente e assessores próximos passaram a nutrir crescente desconfiança do ministro. Nas semanas posteriores, Mandetta também se aproximou de outros antagonistas de Bolsonaro, como os presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP).
Provocações sucessivas e insubordinação
A tolerância do presidente com o que considera provocações de Mandetta chegou ao fim no domingo. Na entrevista concedida pelo ministro ao Fantástico, da TV Globo, Bolsonaro e seus asseclas enumeraram várias alfinetadas. A primeira foi a escolha da emissora, alvo de sucessivos ataques do Planalto. Mas Mandetta foi além. Citou idas à “padaria”, dois dias após Bolsonaro parar em uma padaria de Brasília, cobrou um discurso unificado do governo, reclamou de fake news e previu um pico de contágio em maio e junho. Desferidas em série, as declarações confrontam opiniões e atos do presidente nas últimas semanas.
A entrevista fez Mandetta perder o suporte do núcleo militar. Responsáveis por convencer o presidente a não demiti-lo na semana passada, os generais de terno enxergaram no episódio uma irrefreável quebra de hierarquia. Para eles, Mandetta já havia agido assim no dia 6, quando fez várias referências indiretas e provocativas a Bolsonaro logo após a tensa reunião em que acabou confirmado no cargo.
A resistência à cloroquina
Incensada por Bolsonaro como um medicamento capaz de curar os pacientes da covid-19, a cloroquina se transformou em pivô de um novo debate nacional. Usada no tratamento de doentes de malária, lúpus e artrite reumatoide, a droga começou a ser testada no combate ao coronavírus na China e logo ganhou adeptos em vários países. Contudo, ainda não há comprovação científica de sua eficácia no combate à pandemia. Dos 65 estudos clínicos em andamento ao redor do mundo, apenas três foram finalizados e as conclusões são inconfiáveis. O principal temor dos médicos são efeitos colaterais, como arritmia cardíaca e problemas na visão.
Influenciado pelos filhos, Bolsonaro quer que o Mandetta incentive o uso da cloroquina nos pacientes de covid-19, incluindo a droga nos protocolos oficiais. O ministro resiste, embora já tenha liberado o uso para internados ou em estado graves, cuja decisão deve caber ao médico pessoal de cada paciente. Na semana passada, o ministro chegou a ignorar dois médicos levados ao Planalto pelo presidente e queriam convencê-lo a baixar um decreto determinando o emprego da cloriquina.
A política de isolamento social
Desde a chegada da pandemia ao Brasil, Mandetta tem alertado à população para evitar aglomerações, sob pena de uma proliferação rápida e massiva da doença. Conforme os casos foram se multiplicando, o ministro redobrou os avisos e passou a defender medidas severas de restrição do convívio social. Em sintonia com governadores e prefeitos Brasil afora, o discurso de Mandetta preconiza inclusive a suspensão de missas e cultos evangélicos, em confronto direto com as ideias defendidas por Bolsonaro. Em decreto, o presidente chegou a permitir a abertura de igrejas e templos por considerar a religião “atividade essencial”.