No final de maio, os termômetros da capital da Índia, Nova Déli, bateram 52,9 graus Celsius – um recorde para a região. A cidade fica no norte do país – que, mesmo sendo a parte mais fria da Índia, enfrentou uma temperatura de 42ºC durante o dia nessa mesma época.

A Índia é o país mais populoso do mundo: são 1,4 bilhão de pessoas. Mais de 250 milhões delas sobrevivem com menos de US$ 2 por dia. Ter um ar-condicionado, então, é privilégio para poucos: apenas 5% das casas indianas possuem essa tecnologia.

Como se refrescar de forma eficiente e barata? Como evitar o desconforto e os problemas de saúde causados pela quentura?

Na última terça (9), uma reportagem da revista americana Wired conversou com empresas indianas que desenvolvem soluções econômicas e sustentáveis para esse problema. Mas não pense em tecnologias de última geração. A base de todo o processo é a argila – e técnicas ancestrais de resfriamento com esse material.

Uma das empresas é a CoolAnt, que a partir de US$ 1 comercializa matkas, que nada mais são do que potes de barro de diferentes formas, tamanhos e adornos. Para funcionar, basta enchê-los com água, que vai evaporar lentamente através dos poros do material. Nesse processo, a evaporação rouba calor do ar e da água armazenada, resfriando ambos – e tornando o ambiente um pouco mais fresco.

 
 
 
 

É o mesmo princípio do filtro de barro, presente em várias casas brasileiras. Após passar pela filtragem, a água fica armazenada na parte debaixo do equipamento. Conforme o tempo passa, a evaporação acontece – e o líquido fica mais geladinho.

Outras empresas, caso da Mitticool, criam matkas grandes que funcionam como geladeiras. Um dos modelos custa US$ 95 (mas há outros mais baratos) e tem capacidade de 50 litros. No topo, há espaço para um reservatório com água, e a evaporação servirá para resfriar tanto o líquido quanto a câmara que fica logo abaixo, que pode preservar frutas e vegetais por até uma semana.

Vale ressaltar que, claro, nada disso precisa de energia elétrica para funcionar. É uma boa alternativa especialmente no verão, quando as altas temperaturas aumentam a demanda por eletricidade.

Arquitetura refrescante

A reportagem da Wired mostra também iniciativas que vão além dos "eletrodomésticos": com a argila, é possível construir casas naturalmente mais frescas.

A CoolAnt, por exemplo, trabalha com fachadas refrescantes (uma técnica antiga, empregada até no Taj Mahal). Para isso, usa o Beehive ("colmeia", em inglês), uma estrutura formada por vários cones de argila (e que, pela aparência, lembram os favos da casa das abelhas) que pode ser instalada em casas como uma espécie de janela ou uma parede inteira.

Funciona assim: na parte externa, vão as bocas maiores do cone. É preciso molhar regulamente a argila para que o ar quente que entra resfrie com a evaporação. O buraco menor do cone fica virado para dentro da casa; assim o ar frio entra e refresca quem estiver lá dentro. Segundo a CoolAnt, num dia de calor, em que os termômetros batem os 40ºC, é possível deixar a residência seis graus mais gelada com as Beehives.

Também dá para mesclar a técnica da argila com outras invenções mais modernas, como bombas hidráulicas que molham os cones de tempos em tempos, para manter a evaporação constante. É possível ainda combinar esse método com um ar-condicionado convencional. Dessa forma, segundo a empresa, é possível atingir temperaturas amenas usando 30% menos energia do que se fosse usado apenas o eletrodoméstico.

 

Construir casas com recursos alternativos (como estruturas de argila no lugar de tijolos convencionais) pode ser um caminho tanto para zonas rurais, onde a matéria-prima é escassa, quanto em áreas urbanas densamente povoadas, onde há falta de planejamento urbano – e a temperatura chega a ser mais quente dentro do que fora das casas.

É por causa disso que outra empresa, a CBalance, cria tetos isolantes, que ajudam a manter o calor lá fora. Para isso, usam embalagens Tetra recicladas e até criam jardins inteiros na parte superior das casas.

Não é uma tarefa fácil, diga-se. A falta de subsídios do governo faz com que ainda não se aposte tanto nessas alternativas – muitos indianos duvidam que elas ofereçam a mesma resistência que as estruturas convencionais. Sem contar que, no caso dos jardins no teto, é preciso haver manutenção constante.

Em uma realidade de crise climática, em que as ondas de calor serão ainda mais frequentes, soluções de adaptação como as praticadas na Índia são mais do que convenientes – precisam estar na base da construção civil e na formulação de políticas públicas.