06-09-2023
Após cinco anos em que o ex-presidente da República Jair Bolsonaro (PL) foi a figura central do 7 de Setembro, governo e oposição se aproximam da data em clima de medição de forças. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) busca projetar confiança, comando sobre as Forças Armadas e realizações de oito meses de gestão. Já o ex-presidente, que se absteve de ditar um rumo aos seus apoiadores para a data, espera demonstrações de continuada lealdade para se firmar como o único polo alternativo de poder no país. No fundo dos movimentos políticos e institucionais, uma disputa tem significado especial para os dois: o comando das ruas, que desde 2013 passou para a direita – e que a esquerda se mobiliza para reconquistar.
As vésperas são um bom exemplo da adaptação que os dois lados ainda fazem aos seus papéis invertidos: aliados do governo convocam protestos, a direita fica contra o Exército, petistas usam verde e amarelo e chamam para desfile cívico-militar e bolsonaristas defendem o “fica em casa”.
A campanha oficial do governo federal mal disfarça o elo da comemoração com temas centrais da campanha e do discurso político de Lula. Sob o mote “Democracia, Soberania e União”, a propaganda oficial tem divulgado (até em projeção no prédio do Congresso), bandeiras que poderiam ser consensuais ou neutras uns anos atrás, mas hoje estão marcadas de um lado do espectro ideológico: defesa do meio-ambiente, do SUS, inclusão, desenvolvimento sustentável. Nas peças em verde e amarelo o tema subjacente que mais irrita a direita: reconstrução.
“O próximo dia 7 de setembro de 2023 está sendo motivo de muita especulação. Há informes de que o governo Lula está até obrigando escolas a enviarem alunos para o desfile em Brasília por medo do fracasso de público, já que o PT historicamente sempre teve ojeriza às cores verde e amarela da nossa bandeira do Brasil. E eles jogaram na lata do lixo e Bolsonaro resgatou, enaltecendo o patriotismo do povo brasileiro”, disse em vídeo nas redes o senador Flávio Bolsonaro.
O ministro da Secretaria de Comunicação Social da Presidência, Paulo Pimenta, descreve em suas redes outro cenário: “É tempo de unir o Brasil. Dia 7 de setembro, vamos reunificar as famílias, os amigos e todo o país para celebrar nossos valores mais sagrados: a nossa soberania e a nossa democracia”. Pimenta já alinhou expectativas ao prometer um desfile menor, “enxuto”. Questões de orçamento e a viagem de Lula à Índia no mesmo dia estariam por trás da decisão.
Para além do apelo à união, a esquerda quer marcar sua presença nas ruas anabolizando o Grito dos Excluídos, manifestação paralela aos desfiles que começou em 1995, em protesto contra o governo Fernando Henrique. CUT, MST e PT estão entre os organizadores do ato em várias cidades, com apoio de pastorais, movimento estudantil e entidades como a Central dos Movimentos Populares. É, tradicionalmente, um protesto vermelho. O tema deste ano é “Você tem fome e sede de quê?” e deve focar, segundo o PT, na denúncia ao aumento da fome no Brasil, “que piorou muito depois do Golpe de 2016”.
Com popularidade crescente no último mês, Lula tem no 7 de Setembro a oportunidade de, ao mesmo tempo, aparecer como o líder que tenta unir um país dividido e animar seus seguidores mais próximos a irem às ruas.
O primeiro desafio é maior no Distrito Federal, onde ele perdeu para Bolsonaro por 59×41 no 2º turno e onde ainda há quase uma divisão ao meio na aprovação ao seu governo: 48,9% de aprovação e 46,8% de desaprovação, segundo o último levantamento dos Paraná Pesquisas.
Nacionalmente, pelo agregador do JOTA, a aprovação é de 57%, contra 40% de desaprovação. Ainda assim, houve melhoras na capital federal: no levantamento anterior, havia uma maioria de desaprovação: 51%, contra 46%.
Ainda prevalentes no ambiente digital, os bolsonaristas discutiram por semanas, nos grupos e nas redes, a melhor estratégia para o 7 de Setembro, e ainda há indefinições na véspera. A ideia inicial de um “dia de luto”, com roupas pretas e costas viradas para os desfiles militares, foi aos poucos abandonada em favor do “fica em casa”: patriotas não podem acompanhar uma cerimônia em que as Forças Armadas “batem continência para um ladrão”.
O roubo atribuído a Lula é duplo: da corrupção na Lava Jato e da eleição em 2022. O negacionismo sobre as urnas continua como matéria de fé e alimenta a crítica aos militares “melancias”. Os mesmos grupos que acusam o PT de ter armado os ataques de 8 de janeiro culpam as Forças Armadas por não terem dado um golpe de Estado para garantir Bolsonaro no poder.
Os ecos do 8 de janeiro também são ouvidos nas advertências a quem insiste em se manifestar: pode ser uma arapuca do “Xandão” contra os patriotas.
“Se tentarmos ir pras ruas, podem armar uma cilada maior ainda do que armaram no dia 8 de janeiro”, disse na segunda-feira uma apoiadora do ex-presidente em um grupo, enquanto outros distribuíam vídeos convocando para manifestações em marcos do bolsonarismo: avenida Paulista, praia de Copabacana, Parcão, em Porto Alegre. Sem endosso das contas centrais da direita, um fracasso de público será atribuído com facilidade aos organizadores avulsos. Um eventual sucesso, apropriado.
O sinal mais claro vindo da família do ex-presidente é uma vacina para qualquer resultado. O senador Flávio Bolsonaro, no mesmo vídeo em que insinuou manobras do governo para ter público no desfile, convocou os apoiadores do pai a doarem sangue neste 6 de setembro. O objetivo é dar uma “prova de civismo”: “Vamos bater o recorde de doação de sangue e mostrar a todos que a nossa união vai impedir a destruição do Brasil”.
Ausente dos vídeos de Flávio está a coincidência que não escapou aos apoiadores: 6 de setembro marca os cinco anos do atentado contra Bolsonaro. “Ele deu o sangue por nós. Nós daremos o sangue por ele”. É um pacto pessoal de lealdade e identidade, não suscetível de enfraquecimento por temas, já absorvidos, como as joias. Questionando as urnas e sem confiança para demonstrações nacionais, os seguidores do ex-presidente recorrem a augúrios para confirmar a maioria de que se julgam parte: contagem de PIX de R$ 1 real para a conta do ex-presidente, filas em hemocentros, aglomerações em torno de Bolsonaro em redutos bolsonaristas.
(À esquerda também não falha a lembrança, e o atentado é cada vez mais descrito nas redes como uma farsa, uma “fakeada”. Sem provas, mas com convicção.)
Desacreditadas pelos bolsonaristas, pesquisas mostram que eles não estão sozinhos. Segundo o último levantamento da AtlasIntel, 40% dos brasileiros votariam em Bolsonaro para presidente hoje, ante 48,1% em Lula. A Quaest aponta que 43% dos brasileiros são contra a prisão do ex-presidente pelo caso das joias, ante 41% de apoio à prisão. Nem todo eleitor potencial de Bolsonaro está ativamente militando nas redes, mas é esse núcleo, incansável, combativo, que mantém um político inelegível como a referência para quem busca uma alternativa de poder. E, assim, amarra a ele políticos de direita com mandato que têm planos nacionais.
E é uma engrenagem que está em ação neste mês, como nos outros setembros de grande mobilização para eventos em que Bolsonaro chamou Alexandre de Moraes de canalha, disse que não obedeceria a decisões do STF, declarou-se “imbrochável” e menoscabou o bicentenário da Independência.
Em livro lançado na sexta-feira sobre as redes sociais do pai, Carlos Bolsonaro diz que sempre buscou mensagem “positiva”, “inspiradora”, “enraizada em fatos e informações precisas”. Logo se vê que em nenhum lugar do texto é descrito o verdadeiro mecanismo das redes bolsonaristas.
Mas em uma entrevista a Leda Nagle que viralizou há três meses, o filho 02 do ex-presidente descreve parte do que se vê nesta véspera do 7 de Setembro: “Talvez algo que pareça estar não tão organizado seja uma coisa muito melhor do que algo que tenha de parecer estar organizada, entendeu? Então para mim tudo está indo muito bem porque a gente está ouvindo a voz do povo e como a voz do povo não é uma coisa única, é uma coisa plural, extremamente plural, a gente tem certeza que essas informações atualizadas de tudo quanto é lado vêm pra agregar. E é essa informação, essa capilaridade, no final que forma o povo brasileiro e vai formar nossa linha. Isso é bonito demais. Olha como eu penso. Filosofei aqui”.
A entrevista, de 2019, foi redescoberta pela esquerda e esse trecho recortado circulou desde junho pelas redes com comentários jocosos sobre o “carluxês”. Mas o argumento, sinuoso e longo, também parece menos organizado do que é de verdade. Enquanto as mobilizações da esquerda, via entidades e convocações abertas, podem, afinal, parecer mais capilares e organizadas do que realmente são.
O próximo dia 7 vai mostrar quem ganhou, ou perdeu, de verde e amarelo.